Olá,
em primeiro lugar, gostaria de salientar que este não é um post como os outros e sim um texto especial para o fórum literário Entre Pontos e Vírgulas.
No fórum (criado por esta que vos escreve administrado também pela linda da Lua) lemos um livro por mês e comentamos as leituras tanto por lá quanto a partir de posts e vídeos em nossos canais, blogs etc.
Neste mês de março, excepcionalmente, leremos dois livros. O Colecionador foi o primeiro e hoje é o dia da postagem conjunta das impressões de leitura.
Bom, dito isto, este post é para falar do que eu achei do livro e não tem compromisso de apresentar a história e nem de evitar spoilers, ok?
Foi o meu primeiro contato com a escrita do Fowles e a sensação foi ótima: o cara tem um domínio do texto que me cativou demais! Além disso, o modo como construiu e nos apresentou os seus personagens, a alternância no texto entre os dois e o modo como a psicologia de cada um vai sendo desnudada através do relato em primeira pessoa: tudo isso contribui para uma leitura muito interessante! Definitivamente um ótimo livro e que me prendeu do início ao fim!
A minha edição, entretanto, não ajudou. A editora é a abril cultural. Consegui na Estante Virtual, mas é bem velhinha e com aquela forma de encadernação que se desfaz toda depois de algum tempo (o que aconteceu durante a leitura). Além disso, a letra é pequena e o tom do papel e a "finura" do mesmo são ruins porque permitem ver a marca das letras no verso (e isso atrapalha bastante a leitura...).
Enfim, um livro tão bom merecia uma edição nova e mais caprichada, certo? (Oi, alfaguara?).
Mas, mesmo com tudo isso "atrapalhando", eu me vi em plena terça-feira de noite lendo loucamente O Colecionador à luz de velas! (Sim, chovendo e trovejando lá fora e eu alucinada com o enredo e o texto de Fowles, rs).
Voltando às minha impressões sobre o texto.
Em um primeiro momento, conhecemos a morosidade da vida e dos desejos de Frederick Clegg através da voz do próprio. Funcionário público, criado pelos tios, colecionador de borboletas mortas, sem nenhuma transcendência e com apenas a obsessão por Miranda e sua beleza como elemento motivador na sua vida. Um evento inesperado, entretanto, ocorre em sua vida: ganha uma enorme quantia de dinheiro em uma rede de apostas em jogos.
A partir daí acompanhamos a realização do seu desejo de ter Miranda para si como um objeto em paralelo com a sua completa falta de qualquer outra coisa própria e capaz de gerar algo bom: ele só conhece o desejo estático. Como Miranda o define: ele é um calibã! (Essa é a segunda referência a Tempestade de Shakespeare em um livro que gosto - a outra foi em Admirável Mundo Novo e agora tenho mesmo que ler a obra! rs). Um ser mesquinho e ressentido, incapaz de ver o mundo social com olhos diferentes do que acredita serem os olhares dos outros para si... Um ser inferiorizado por sua própria incapacidade de ver a si mesmo como fora de um círculo vicioso de inferiorização, submissão, adoração e ressentimento.
A partir daí acompanhamos a realização do seu desejo de ter Miranda para si como um objeto em paralelo com a sua completa falta de qualquer outra coisa própria e capaz de gerar algo bom: ele só conhece o desejo estático. Como Miranda o define: ele é um calibã! (Essa é a segunda referência a Tempestade de Shakespeare em um livro que gosto - a outra foi em Admirável Mundo Novo e agora tenho mesmo que ler a obra! rs). Um ser mesquinho e ressentido, incapaz de ver o mundo social com olhos diferentes do que acredita serem os olhares dos outros para si... Um ser inferiorizado por sua própria incapacidade de ver a si mesmo como fora de um círculo vicioso de inferiorização, submissão, adoração e ressentimento.
Embora eu não tenha lido a obra de referência, o que eu gostei é que o autor faz um jogo o tempo inteiro com as percepções dos dois personagens. Minha sensação foi a de que ora o calibanismo é de um, ora é de outro sob outro ponto de vista. Vocês concordam?
Miranda é uma personagem que me interessou muito mais (claro! rs); afinal é com ela que vivenciai dramas, contradições e a dor. A medida que o seu diário avança eu ia me sentindo com raiva, pena, surpresa e medo (embora eu já soubesse do que aconteceria!)... Que escrita a do Fowles: por vezes eu sentia o desespero completo de Miranda!
Mas o mais interessante acho que foi a revelação das dificuldades, dos pormenores e das características psicológicas dessa personagem tão complexa e interessante: Miranda não conseguia também viver sua vida (anterior ao cativeiro) sem o peso dos preconceitos sociais e do ressentimento! Vivia, afinal, também no mundo "morto" da fotografia, em um mundo estático no qual ela não conseguia anadar por si mesma sozinha, livre e viver sua criatividade, seu potencial... era como se não conseguisse largar nas suas ações muitos pensamentos/preconceitos mortos, sem vida! (me refiro aqui a dificuldade de entregar-se sem reservas à suas paixões)
Encontrou em G. P. uma voz externa que lhe mostrou um mundo de referências, contemplação da beleza e de vida que ela se sentia aquém de viver por si mesma e que lhe impediu de entregar-se ao amor completamente. Outras características bem interessantes de Miranda, entretanto, revelavam a sua decisão racional de seguir seus princípios, o que ela classificava como sua "humanidade", aquilo que era mais importante para ela no mundo. Ela vivia um dilema que a impedia de amar verdadeiramente - vide a relação com a sua mãe - e acabava também por reproduzir sem querer nas suas ações a vida daqueles que ela rotulava como os que não existiam... os médios, as meias criaturas. (me refiro especialmente à dificuldade de viver o amor por G. P. abandonando preocupações com idade, casamento, traição etc)
Gostei demais também das várias metáforas em relação à arte e as relações com os personagens (não apenas os principais; mas os amigos de Miranda e de GP); das referências à Jane Austen (especialmente à Emma!) e das análises dos diferentes olhares em relação à pintura, o desenho e a fotografia.
Termino minhas poucas considerações (porque o livro me provocou muitas reflexões que me sinto incapaz por ora de colocar no papel), com um trecho da leitura que me emocionou demais.
Uma das metáforas que eu mais gostei foi a da relação entre o pintor que pinta algo que ele "sente" e o que pinta apenas o exterior, algo que está fora dele e assim reproduz a realidade sem integrar-se à ela. Sobre isso, os momentos do diário de Miranda que achei mais lindos foram aqueles onde ela descrevia ideias para pinturas e sua relação com a luz, com o movimento, seu processo criativo em meio a dor.
Uma última coisa: que final, hein? Terminei de ler deitada no chão de tanto nervoso! haha. Ainda que esperado o relato é TERRÍVEL e eu quase bati no papel! rs
Ainda quero ver o filme, pois não tive chance estes dias. Curiosíssima em saber como foi adaptado; como traduzir narrativas tão fortes em primeira pessoa para à telona?! ; )
Esse livro é ótimo, também li com uma sede enorme e também achei o final muito impactante.
ResponderExcluirO filme já não gostei tanto...é um bom filme sim, mas não consegue capturar a essência do livro e como sempre eles mudam algo no enredo =/
Eu tenho uma implicância com filme que muda o enredo do livro... aff!
ExcluirAchei muito bom mesmo esse livro também!
Beijos!
Frederick: ódio eterno.
ResponderExcluirMiranda: uma das personagens que mais me impressionou, pela forma com que ela conseguiu lidar com seu Calibã, com algum humanismo que ele absolutamente não merecia.
Resenha maravilhosa, como sempre através dos seus olhos verdes passei a enxergar detalhes não observados pela minha leitura.
Ahahaha, adorei o ódio eterno! rs
ExcluirObrigada, Glaucia querida! Adorei nosso debate!
Um abraço!
Li há tanto tempo esse livro que nem me lembro do final! (rs) Mas fiquei com vontade de relê-lo, e procurar o filme que eu não sabia que existia!
ResponderExcluirBeijos D!
Dáf,
Excluirainda não consegui ver o filme (vida corrida), mas depois te conto se gostei. O livro é fantástico, não é?
Beijos!
Eu gostei mais do personagem do Frederick ( como personagem apenas), acho que as mulheres se relacionam mais com a personagem da Miranda mesmo.
ResponderExcluirTambém vi esse ponto do calibanismo ora de um ora de outro, com as impressões da Miranda ela também distinguia as pessoas da mesma maneira que o Frederick faziam, chega uma hora que os idealismos dos dois se misturam.
Ótima escolha de livro :D Abraços
Oi Filipe,
Excluiracho que não é uma questão de gênero essa de com qual personagem nos identificamos.
E eu acho que o autor quis jogar justamente com as formas diferentes de viver o calibanismo (uma muito pior que a outra, na minha opinião).
Também achei uma ótima leitura e debate!
Abraços,
Eu fiquei sabendo do livro por causa do filme e fui atrás (comprei a mesma edição que você). Ainda não tive tempo de ler, mas minha vontade de conhecer os detalhes dessa história aumenta a cada resenha que leio.
ResponderExcluirbjo
Certamente você vai gostar da leitura, Michelle!
ExcluirBeijos!