O Ondjaki já apareceu aqui e no vlog várias vezes pois acompanho com muito prazer a sua obra (mais neste post)... Imaginem então a minha emoção quando ele aceitou responder umas perguntas minhas e da Inês?!
; ))))))
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Antes da entrevista, aproveito para divulgar os novos livros de Ondjaki publicados este ano no Brasil: Os Transparentes, com edição da Companhia das Letras e Uma escuridão bonita que saiu pela Editora Pallas.
E uma informação para os que estarão na Bienal do Livro do Rio de Janeiro: Ondjaki participará na mesa "Contar-mostrar uma história: assim nasce uma criança", com Julia Friese, e Graça Lima, sob mediação de Christine Röhrig (31/08). Vamos? ;)
Abaixo a entrevista inspiradora e que só aumentou nossa admiração por este escritor e poeta de Luanda já tão querido! ;)
Inês: Viveu em Luanda, em
Lisboa, no Rio de Janeiro. São três cidades diferentes, em três continentes
diferentes. Para além da língua, há mais alguma coisa que as una?
Deve haver... Mas são cidades
radicalmente diferentes, no tecido humano, paisagístico. Eu realmente não
saberia dizer o que as une, porque mesmo a língua parece (e talvez seja) a
mesma, mas depois a linguagem e o 'modo de falar' é muito diversificado. Por
modo de falar entendo mais do que a fala, também o modo de comunicar, de
brincar, de esperar, celebrar. É uma pergunta difícil. Tento responder daqui a
dez anos.
Denise: Vários
escritores brasileiros já foram mencionados como influentes na sua formação
(Graciliano, Manoel de Barros, Guimarães Rosa e Clarice). O conto "lábios
em lava", da coletânea "e se amanhã o medo", tem como epígrafe
um trecho do mexicano Carlos Fuentes. Como é sua relação com a literatura
latino-americana? Quais outros
escritores latino-americanos foram importantes na sua formação e te inspiram?
Costumo dizer que são mais os livros
que os autores. Eu li poucos autores na sua totalidade. Gosto mais de
frequentar alguns livros ou mesmo algumas passagens. Posso dizer que li razoavelmente
bem Manoel de Barros, mas não posso dizer o mesmo de Clarice ou Guimarães. Eu
lembro-me de ter entrado devagar nos contos latino americanos... E de ter
pensado, fascinadamente assustado: "nunca mais sairei daqui..." É um
pouco verdade. São muitos autores bons da américa latina. São muitos livros,
muitos contos. E, para dizer a verdade, é uma grande vertigem. Admitindo que a
américa latina não é uma "mancha" literária, e há muitas
especificidades, mas a pujança, isso a que quero chamar de vertigem, é
poderosa. Ou pelo menos toca-me desse modo. Eu penso que é um pouco o que se
passa com o continente africano: as nossas realidades são muitíssimo fortes,
fora, totalmente fora dos limites apenas da lógica e do racional. Não são
apenas os eventos que são bons para a literatura; o modo de as pessoas
interpretarem a vida, de a atravessarem, de fazerem dela matéria para o teatro
ou a poesia quotidiana, isso dá material forte para a literatura. Seja
fantástica ou não, a literatura vive muito desse "olhar criativo" do
que já foi olhado ou vivido pela população. Penso que nesse aspecto alguns
autores africanos aproximam-se de autores latino americanos. Isto tudo para
dizer que não são necessariamente os nomes, os autores; é mais a "coisa
toda", a escrita e até a realidade latino-americana que me fascina. Vivo
no Brasil de momento, tenho a oportunidade de viajar aqui dentro, e começo
agora a circular mais por outros países. Tenho uma imensa curiosidade por
alguns lugares que foram literários e onde é necessário pôr os olhos, o Chile,
Colômbia, Peru. Há-de chegar esse tempo. Também tenho vivido, não sei porquê,
ultimamente, uma enorme ânsia de ir conhecer o Uruguay...
Inês: "Quantas
madrugadas tem a noite", "E se amanhã o medo", "Dentro de
mim faz sul", "Materiais para confecção de um espanador de
tristezas". Como é o processo de criação destes títulos que, sozinhos, já
têm tanto para contar?
Há títulos que nos chegam desde os
primeiros dias de escrita. Ou um pouco antes. Há outros que vêm de dentro, seja
da estória ou da boca de algum personagem. "Quantas madrugadas tem a
noite" foi dificílimo. Teve outros títulos. De repente vi que já lá
estava, numa frase do próprio AdolfoDido. Sobretudo, e acho que não sei
explicar isto muito bem, o que busco é ficar bem com o título. Eu. Eu quero
ficar em paz com um título, não quero arrepender-me dele uns anos depois. Isto
é um compromisso poético, talvez metafísico, entre o livro, o conteúdo, e eu.
"Dentro de mim faz Sul" é um dos mais equilibrados nesse sentido.
Estamos todos em paz com essa sentença, o livro, o título, eu. Digo tudo isto a
brincar, evidentemente. Quem escolhe o título dos meus livros são os mesmos
dois vizinhos que os escrevem. Eu limito-me a assinar.
Denise: Sabemos
da sua predileção pelo conto curto e pela influência de diferentes formas de
linguagem nesse gênero. Quais as características mais importantes de um bom
conto? Poderia citar alguns dos seus preferidos?
Isso não sei dizer... O conto tem
que ser bom. Ponto final. Pode ser curto e bom. Longo e bom. E há estórias
menos bem escritas. É evidente que Borges escreveu belíssimos contos. García
Márquez também. Não tenho nomes presentes, mas certamente há contos de Borges,
Guimarães, García Márquez, Luandino Vieira, Mia Couto, Manuel Rui, que estão
entre os meus preferidos. Mas ficam sempre nomes por lembrar. Daqui meia hora a minha resposta seria diferente.
Felizmente.
Inês: Disse
numa entrevista que a história que queria contar é que determinava a técnica
linguística utilizada, se recorreria a um estilo mais poético/lírico ou mais
coloquial. Se estivesse a escrever a história da sua vida, como seria a
linguagem?
Boa tentativa... Ainda não sei. Mas
eu já me atrevi, ainda bastante novo, a escrever longos pedaços da história da
minha vida. A infância está quase toda mapeada, e algumas (outras) coisas já
estão escritas (só não estão ainda publicadas). Há a tendência para ser a voz
de "um certo narrador" (do "Bom dia camaradas") a tratar da
infância. Mas isso poderá mudar. Realmente escreve-se com a voz possível, com a
voz que temos para perseguir uma pequena obsessão. Às vezes um livro é isso,
algo que precisamos de contar, algo que temos que tirar de nós. Ou algo que nos
acontece sonhar em forma de escrever. Por isso não sei se dá para pensar tanto
na linguagem e na técnica. Surge. Sai. Lida-se com isso. E depois logo se vê.
Muito se escreve também ao reescrever...
Denise: Entre as suas diversas obras
(contos, poesias e romances) existe alguma que você tenha um afeto especial? E
qual foi a mais difícil de escrever?
Com
os livros, por vezes, aparece um lado cruel (não sei se necessário...): estamos
incrivelmente ligados a eles e depois, com a finalização ou com a publicação,
há um corte. Que dói, e que é necessário. Uns tempos mais tarde, fazemos as
pazes. Comigo é assim. Fico farto, zangado, frustrado ou triste nas últimas
revisões. Nem sempre o processo é claro, no sentido emocional. Ou seja,
movemo-nos em territórios delicados no momento da escrita. E ao sair desses
territórios, já não somos os mesmos. Certamente um dos mais difíceis de
escrever foi o "madrugadas". Certamente, até ao momento, o mais difícil
em todos os aspectos foi "Os transparentes". Ainda não fiz as pazes
com ele. E já estamos em 2013...
Inês: Eu,
sendo portuguesa, experimento algum estranhamento enquanto leio os seus livros,
principalmente no que toca a algumas palavras ou expressões que não conheço,
muitas delas tipicamente angolanas. Esse estranhamento é, para mim, uma das
partes mais marcantes da leitura. Estando a sua obra traduzida para inglês,
francês, espanhol, alemão, etc., preocupa-se que, durante o processo da
tradução, se possa perder algum desse encanto?
Não se preocupe, eu, enquanto
angolano, também sinto (bons ou não) estranhamentos quando leio literatura
portuguesa ou brasileira. Faz parte, acho eu, dessa relação dúbia de muita e
nenhuma familiaridade com a lingua e as linguagens de "um outro".
Quanto às traduções, faço como um dos meus personagens em relação à água
fervida: rezo. Rezo para que o resultado seja o menos mau possível, porque a tradução
é uma área muito delicada e por melhores que sejam as intenções, o resultado é
muito aleatório... Isto é, eu não posso controlar nada. Sugiro pequenas
alterações nas duas linguas que posso entender (espanhol e inglês), mas são
apenas sugestões pontuais. O sentido da coisa, o ritmo, a brincadeira, a
ironia, o jogo, a pausa, são os elementos que dificultam e podem valorizar uma
boa tradução. Chamo atenção para isto: os tradutores ocupam-se de uma arte
muito elevada, na minha opinião, e são muitíssimo mal pagos. Devia haver
manifestações em prol da valorização do trabalho dos tradutores. Estou a falar
a sério. Agora, como em todas as profissões, existem bons e menos bons
tradutores. Por isso, vou rezar mais um bocadinho...
Denise: Em entrevista ao programa
entrelinhas você afirma que o olhar sobre a guerra e sobre o passado do seu
país nas suas obras procura ser um olhar prospectivo; que pense no futuro de
Luanda, de Angola. (Trecho: “Nós que crescemos em Luanda na realidade, apesar
das pessoas não saberem, nós fomos os mais sortudos, porque a guerra estava
fora de Luanda (...). Então eu tenho muita delicadeza e muito pudor em falar
desse período de guerra que era, mas não para nós que estávamos em Luanda. Eu
acho que, mesmo para falar da guerra e mesmo para falar do que não está bem em
Angola, nós devemos falar numa atitude já pra frente, numa atitude a apontar
para o futuro. Se eu não tenho soluções, e evidentemente que não as tenho, pelo
menos que o meu tratamento literário seja um tratamento que dê dignidade à
situação. Porque há coisas que já são indignas: a guerra é indigna, o
sofrimento das crianças é indigno. Eu não posso reforçar aquilo que é indigno”.
Ondjaki, programa entrelinhas; https://www.youtube.com/watch?v=X3kY22aHsLQ). Poderia
falar um pouco sobre como a literatura pode trazer novo significado para o
sofrimento humano e sobre o papel da ficção para o futuro
das sociedades?
Eu realmente não sei se a literatura
poderá trazer um novo significado para o sofrimento humano... Eu penso que há
qualquer coisa de poeticamente misterioso nisso que rodeia um livro. E o que
rodeia um livro, somos todos os que vivemos a vida, os que a observamos, os que
a escrevemos e os que a lemos, depois, em formato de livro. Isto é, tenho
esperança que qualquer pessoa, qualquer velho ou criança, ao ler uma estória,
poema ou teatro, esteja por alguns momentos numa condição de leveza. E não é
leveza por ser "leve" ou "etéreo": é leveza porque está
longe da sua condição quotidiana, contínua, de ser humano, ser social, ocupado,
absorto no real. Perto de um livro, às vezes, estamos absortos do irreal, ou do
surreal. Digamos, um livro existe mais no momento de ser lido, de ser
interpretado. Quieto, ele é um objecto à espera de comunicar, e de ser
desejado. Quieto, um livro é um conjunto de papel e letrinhas e ideias. Nas
mãos, aos olhos de alguém, esse livro é um mundo, uma arma de imaginação, uma
armadilha de desejos, um lugar de dor, fantasia e poesia. Se tudo isto, de vez
em quando, em doses mínimas, puder "tocar" a humanidade, seja de que
maneira for, então estamos num caminho interessante. Portanto, não sei se é
verdade, mas talvez um dos papéis da ficção seja o de aproximar a Humanidade a
si mesma. Ou não.
Inês: Enquanto
luandense, quais as principais diferenças que encontra entre a Luanda da sua
infância, descrita, por exemplo, em "Os da minha rua", e a Luanda dos
dias de hoje, palco do seu novo romance "Os Transparentes"?
Não leve a mal, mas responder à sua
questão é uma mera tentativa de se resumir uma coisa que leva uns bons meses a
contar... E umas boas refeições e umas boas cervejas. Levei muito tempo a
escrever esses dois livrinhos, sobretudo o último. Parte da sua resposta está
em ambos. Parte está na vida, no dia a dia, no modo como hoje se encara a
cidade... Somos todos culpados: quem manda, e quem se deixa mandar.
Denise: Para
quem quer começar a enveredar pelo mundo da literatura africana, quais cinco
livros você recomenda?
Seria uma resposta muito
difícil...........
Inês: Os
seus livros estão cheios de referências musicais (Caetano Veloso, Jorge Palma,
Adriana Calcanhoto, canções soltas como Trem das Onze entre outras). Há alguma
música que lhe provoque «aquela magia de um outro mundo» de "O Assobiador"?
Trecho da obra: «(...)
que mexesse não só com o ouvido das pessoas, mas alcançasse, de modo incisivo,
a profundidade das suas almas, o recôndito canto onde cada um escondia as suas
coisas - essa assustadora gruta a que muitos chamam âmago do ser.»
Há certas músicas, certos momentos musicais
de Wim Mertens (pianista belga) e mesmo de Keith Jarrett que já me provocaram
altíssimas intensidades poéticas. Boas ou menos boas intensidades. Eu escrevo
muito com música, usando territórios emocionais que são causados ou encontrados
por via musical.
Denise: Uma
curiosidade: que livro está lendo agora? E como seleciona suas leituras?
Não sei "como"
selecciono... Estou quase sempre a ler poesia, não de modo sistematizado, mas
conforme me apetece. Livremente. Mas acabei de reler "Ninguém escreve ao
coronel" (García Márquez); li "A indestrutível condição de ter
sido" (Helena Terra) e hoje mesmo comecei "Sabina e os manuscritos do
Kuíto" (Arnaldo Santos).
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Obrigada, Ondjaki! ;)
E um agradecimento especial também à linda Juliana
Gervason que ajudou a tornar possível esta entrevista! ;)
O endereço: inesbooks.blogspot.com.br
Linda entrevista Denise! Ondjaki é um máximo né? gente fina pacas...parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Fabíola! Concordo totalmente! Você irá na Bienal? Nos encontramos por lá! ;)
ExcluirAbraços,
Parabéns, meninas, pela excelente entrevista!
ResponderExcluirE que ser humano maravilindo é o Ondjaki, né... Muito amor pra ele e sua inspiração, sempre!! ;o)
Xerinhos
Paty
Obrigada, Paty! ;)
ExcluirParabéns meninas, a entrevista foi linda! E que respostas mais poéticas foram essas!
ResponderExcluir"Eu penso que há qualquer coisa de poeticamente misterioso nisso que rodeia um livro. E o que rodeia um livro, somos todos os que vivemos a vida, os que a observamos, os que a escrevemos e os que a lemos, depois, em formato de livro."
Nossa, que coisa mais linda!
Amei!!!!
Obrigada, Nanda!
ExcluirTambém amei esse trecho! Muito poético!
Abraços,
<3
ResponderExcluir<3 <3
ExcluirRepito o que escrevi no blog da Inês: parabéns!
ResponderExcluirNão sabia que "Uma Escuridão Bonita" tinha sido lançado. Vou procurar, para completar a coleção... rs.
Beijinho! :)
Obrigada, Déa!
ExcluirEstá a venda no site da editora pallas apenas, por enquanto acho...
Beijos!
Arrasaram, meninas! =)
ResponderExcluirObrigada, Lua! ;)
ExcluirOlá.
ResponderExcluirSeu blog é muito legal , tem muitos assuntos legais, parabéns.
Porque não divulga no Portal Teia,é um divulgador de blogs diferente de todos que existem, basta mandar seu link e se for escolhida, seu blog é divulgado para centenas de pessoas e o melhor de tudo é gratis.
Passa lá e dá uma olhadinha!
Até mais
Arrasaram mesmo!
ResponderExcluirNão li nada dele ainda, mas achei suas respostas interessantes.
Você que o conhece melhor, me indica qual?
Beijos e Parabéns!
:)
Aline Aimée
Mas que entrevista bacana. Sou professor (e blogueiro, haha) e adoto "Os Da Minha Rua", como paradidático. Não tem como não gostar do q ele escreve. Parabéns pela entrevista, parabéns pelo blog. Abraços,
ResponderExcluirRodrigo Cavalcanti