Ricardo Lísias é paulista, tem 38 anos e publicou cinco romances e mais diversos ensaios,
crônicas e contos em vários meios. Eu li O céu de suicidas no início deste ano e, recentemente, fui arrebatada por seu último
romance. O texto abaixo trata da minha primeira experiência com o escritor paulistano (foi escrito originalmente para o extinto Blog 365 escritores) e amanhã falarei um pouco das impressões de leitura do angustiante Divórcio.
Resolvi escrever este post de uma
maneira diferente. A proposta é desenvolver um diálogo possível com Lísias a
partir de trechos do seu livro O Céu dos Suicidas (sem spoilers, claro!) e de uma
palestra/conversa que o autor deu em 18 de abril de 2012 (publicada aqui no Jornal Rascunho).
Os trechos em azul marinho são
retirados da fala de Lísias no encontro publicado no Rascunho e os trechos em
roxo são partes do romance (O Céu dos Suicidas: Editora Alfaguara, 2012); os
demais são minhas tentativas de conversar com este autor que me intrigou
bastante e que convido vocês a conhecer através deste inusitado texto.
Antes de começar, porém, é preciso
falar um pouco sobre O céu dos
suicidas. O ponto de partida do livro é o suicídio de um grande amigo de
Lísias; o resto é ficção. O elemento central da narrativa é o personagem
principal: o cara que perdeu um amigo que se suicidou tentando lidar com isso.
E o texto; bom, o texto é ótimo! Em uma situação na qual não temos controle em
absoluto sobre nada; na qual a dor, a raiva, a angústia tomam conta; em uma
situação assim como podemos seguir vivendo? Essa é a pergunta; e o personagem
de O céu dos suicidas vivencia uma
verdadeira odisseia pessoal que vai te prender da primeira à última
linha.
"Desde que tudo
isso começou, tenho percebido que sentir saudades significa, em alguma parcela,
arrepender-se"
"Até o suicídio do
meu grande amigo André, nunca tive vontade de voltar atrás com nada. Agora,
comecei a sentir saudades de tudo."
Um dos primeiros elementos do texto
que me chamou atenção foi a ideia de saudade evocada pelo autor.
Afinal: o que é sentir saudade? Em
parte, relacionar saudade com arrependimento foi um choque para mim. Porque
saudade não envolve, à primeira vista, culpa e sim uma miríade de sentimentos
positivos. Temos saudade porque foi bom, temos saudade porque foi único; porque
nos deu alegria, júbilo, e porque acabamos romantizando e recriando a situação
(ou a pessoa) dentro de nós. Ter saudade é querer perpetuar algo muito bom que
não temos mais.
Mas aí vem o Lísias e nos dá esse
primeiro "tapa": ter saudade também é arrepender-se e lidar com o
fato de que, de alguma maneira, você perdeu o que tinha (seja uma pessoa, seja
uma situação ou algo em você mesmo...). Ter saudade é ter essa falta, esse
arrependimento: essa vontade de ter de volta algo que já tivemos...
E sim, agora a saudade que eu sinto
de uma vida que não vivo mais ficou muito mais presente dentro de mim... Ter
saudade dói, dilacera e gera arrependimento.
"Pra mim, ao menos, a ficção serve primeiro como uma espécie de
resguardo do mundo de verdade. Quando quero me afastar do mundo de verdade ou
acreditar em outras coisas ou procurar outras realidades e ir atrás de novas
perspectivas, sobretudo procurando sofisticações maiores do que o dia-a-dia
oferece, eu procuro a ficção. Ela oferece uma espécie de fuga possível, às
vezes mais sofisticada, de mais bom gosto, um resguardo contra a vulgaridade,
contra o mau gosto diário."
Ah, Lísias, essa sua forma tão
poética e, ao mesmo tempo certeira, de definir algo que me encanta na
literatura foi deliciosa!
Porque é preciso literatura para
fugir da vulgaridade; porque é necessário ter a literatura justamente como o
mundo do possível, daquilo que nos liberta do cotidiano idiotizante e que
transforma muitos dos nossos sonhos impossíveis de supérfluos para vitais.
(e possível sofisticado foi ótimo!
Nunca mais vou esquecer isso! ;)
"Sempre que estou escrevendo um livro, sempre que ele já está planejado,
eu acordo de manhã e faço toda a parte da obra que tenho planejada para aquele
dia. E só começo as atividades diárias quando consigo encerrar aquela parte.
Escrevo todo dia, pela manhã. Escrevo a mão e a lápis. Tenho, evidentemente,
computador. Escrevo em folha de papel almaço. Quando encerro, uma das tarefas
diárias é digitar; a primeira parte da revisão já é feita quando passo da folha
de almaço para o computador. É muito lento".
Quem não gosta de saber como se
desenvolve o processo criativo e quais são as manias de um escritor?
Eu adoro!
Outra coisa que eu gosto muito é
papel almaço. Obrigada, Lísias, por trazer de volta para mim o amor pelo papel
almaço (comprei uma pilha! ;).
"Amanheceu um belo dia. São típicos dessas cidades horrorosas que não tem
nada para oferecer além do clima ameno, o céu azul e uma brisa agradável. Um
horror. Lembro-me muito bem desses dias quando fazia faculdade aqui: logo tudo
evoluía para um frio enorme".
Ah, como eu me deliciei com a ironia
e o humor de Lísias em O céu
dos suicidas! A escrita deste livro te leva a uma experiência interessante:
é rápida, intensa e muito forte. Além disso é permeada de momentos de muito
humor, ironias e situações extremamente absurdas e perfeitamente
"reais".
"O principal risco de um livro
como O céu dos suicidas é
acharem que o personagem é realmente você. Por exemplo, minha mãe acha que todo
esse negócio aconteceu de fato, mesmo as passagens em que ela entra e que eu
falo para ela: “mas você fez isso?”. “Você não fez isso, isso não aconteceu.”
Ela já acha que aconteceu. Então, tem um problema inerente à leitura, de as
pessoas fazerem uma leitura mais imediata. Porque uma coisa é fato: se eu
escrever e contar o que aconteceu hoje, não é mais o que aconteceu hoje. Tem a
mediação da linguagem que modificou tudo"
Dá para imaginar o
tipo de pergunta que o Lísias deve ouvir repetidamente??? (Ainda mais depois de Divórcio! rs). Por uma leitura menos realista e imediatista, por favor! O trecho
abaixo é o melhor:
"O bom leitor é aquele que
consegue trazer o texto para os interesses dele mesmo".
"Quando as pessoas leem literatura, elas precisam esquecer um pouco
o autor e colocar elas mesmas como importantes".
É isso! (sem mais palavras minhas,
pois o Lísias disse tudo nessas duas frases acima. ;)
Outra do Lísias quando perguntado sobre o que é fundamental para a escrita:
"Concentração
e técnica — pelo menos pra mim. Concentração, técnica, nenhuma concessão,
radicalismo com a forma, nenhuma concessão com o público, nem com o glamour,
nem com o meio literário".
Esta parte eu marquei, pois também
estou em um momento no qual percebo a importância de não fazer nenhuma
concessão. O importante é escrever para você mesmo; escrever o que você quer
dizer, soltar a sua voz, suas inquietações e interesses. Fazer concessões deforma, distrai e,
invariavelmente, transtorna o resultado.
"Uma literatura vulgar se caracteriza pela preocupação excessiva
com o próprio umbigo, por exemplo, a falta de preocupação com o outro, uma
facilidade no discurso, uma facilidade formal muito grande, a tentativa de
barateamento da linguagem, a tentativa de barateamento ideológico, a falta de
resistência aos discursos dominantes, a covardia de enfrentar discursos
realmente fortes, a entrega ao discurso oficial".
E esta
frase para fechar o post: está boa para vocês? Porque para mim está ótima!
Concordo com o Lísias em gênero, número e grau nesta questão do que é
vulgarizar a literatura.
Eu não
quero facilidades; eu não quero senso comum: eu quero boa literatura! O resto
pode deixar comigo que eu penso.
Referências:
Lísias,
Ricardo. O céu dos Suicidas. Alfaguara, 2012.
Lísias,
Ricardo. Rascunho. Disponível
em: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/ricardo-lisias/
Fonte das Imagens: arlequinal.com.br e revistalingua.uol.com.br.
Oi, Denise,
ResponderExcluirPelo que vi você é fã do Ricardo Lísias, né? :) Como nunca li nada dele, gostaria de uma recomendação: por qual devo começar? Tenho lido muita coisa sobre o livro "Divórcio", seria ele um bom começo para quem nunca leu nada do escritor?
grande abraço,
Pipa
Oi Pipa, sou muito fã sim! ;)
ExcluirOlha, não recomendo começar pelo Divórcio, mas sim pelo Clube dos Suicidas ou pelo O Livro dos mandarins!
Acho que aproveita melhor Divórcio quem já conhece um pouco a escrita dele, entende?
Um beijão!
Obrigada pela dica, Denise!
ResponderExcluirVou procurar então O céu dos suicidas :)
beijos!
Pipa
Denise, você fez eu me apaixonar pelo Ricardo Lísias! Já estou buscando os livros dele. A forma como você nos aproximou do autor foi deliciosa... Concordo com você e com Lísias sobre a Literatura Vulgarizada. Não quero facilidades!!! Quero Alta Literatura!!! Amei...
ResponderExcluirNão é? ;)
ExcluirEspero que você goste dos livros dele, lua!
Beijos!
Que legal Denise, muito bacana mesmo, estou namorando os livros do Ricardo Lísias faz algum tempo, quero muito ler este, ainda mais depois deste post :).
ResponderExcluirParabéns pelo blog!
Ah, queria saber o que está achando do Mar Azul da Paloma Vidal, quando puder comente sobre por favor hehehe.
Beijos.
Bruno, eu gostei MUITO de mar Azul! Vou fazer resenha ainda, mas já falei dele no último vídeo lá no YT.
ExcluirObrigada e depois me conta se gostou do Lísias! ;)
Dê!
ResponderExcluirTudo bem com você?
Estou morrendo de vontade de ler esse livro, ainda mais agora, depois de ler esse seu post. :)
Beijos!
Ele é ótimo, Neriana! E Divórcio também. Ou seja: leia o Lísias que vale a pena, rs.
ExcluirBeijos!