domingo, 25 de agosto de 2013

Ricardo Lísias (Parte 1 - O Céu dos Suicidas)

Ricardo Lísias é paulista, tem 38 anos e publicou cinco romances e mais diversos ensaios, crônicas e contos em vários meios. Eu li O céu de suicidas no início deste ano e, recentemente, fui arrebatada por seu último romance. O texto abaixo trata da minha primeira experiência com o escritor paulistano (foi escrito originalmente para o extinto Blog 365 escritores) e amanhã falarei um pouco das impressões de leitura do angustiante Divórcio.


Resolvi escrever este post de uma maneira diferente. A proposta é desenvolver um diálogo possível com Lísias a partir de trechos do seu livro O Céu dos Suicidas (sem spoilers, claro!) e de uma palestra/conversa que o autor deu em 18 de abril de 2012 (publicada  aqui no Jornal Rascunho).

Os trechos em azul marinho são retirados da fala de Lísias no encontro publicado no Rascunho e os trechos em roxo são partes do romance (O Céu dos Suicidas: Editora Alfaguara, 2012); os demais são minhas tentativas de conversar com este autor que me intrigou bastante e que convido vocês a conhecer através deste inusitado texto.

Antes de começar, porém, é preciso falar um pouco sobre O céu dos suicidas. O ponto de partida do livro é o suicídio de um grande amigo de Lísias; o resto é ficção. O elemento central da narrativa é o personagem principal: o cara que perdeu um amigo que se suicidou tentando lidar com isso. E o texto; bom, o texto é ótimo! Em uma situação na qual não temos controle em absoluto sobre nada; na qual a dor, a raiva, a angústia tomam conta; em uma situação assim como podemos seguir vivendo? Essa é a pergunta; e o personagem de O céu dos suicidas vivencia uma verdadeira odisseia pessoal que vai te prender da primeira à última linha.

 "Desde que tudo isso começou, tenho percebido que sentir saudades significa, em alguma parcela, arrepender-se"
"Até o suicídio do meu grande amigo André, nunca tive vontade de voltar atrás com nada. Agora, comecei a sentir saudades de tudo."

Um dos primeiros elementos do texto que me chamou atenção foi a ideia de saudade evocada pelo autor.
Afinal: o que é sentir saudade? Em parte, relacionar saudade com arrependimento foi um choque para mim. Porque saudade não envolve, à primeira vista, culpa e sim uma miríade de sentimentos positivos. Temos saudade porque foi bom, temos saudade porque foi único; porque nos deu alegria, júbilo, e porque acabamos romantizando e recriando a situação (ou a pessoa) dentro de nós. Ter saudade é querer perpetuar algo muito bom que não temos mais.

Mas aí vem o Lísias e nos dá esse primeiro "tapa": ter saudade também é arrepender-se e lidar com o fato de que, de alguma maneira, você perdeu o que tinha (seja uma pessoa, seja uma situação ou algo em você mesmo...). Ter saudade é ter essa falta, esse arrependimento: essa vontade de ter de volta algo que já tivemos...
E sim, agora a saudade que eu sinto de uma vida que não vivo mais ficou muito mais presente dentro de mim... Ter saudade dói, dilacera e gera arrependimento. 


"Pra mim, ao menos, a ficção serve primeiro como uma espécie de resguardo do mundo de verdade. Quando quero me afastar do mundo de verdade ou acreditar em outras coisas ou procurar outras realidades e ir atrás de novas perspectivas, sobretudo procurando sofisticações maiores do que o dia-a-dia oferece, eu procuro a ficção. Ela oferece uma espécie de fuga possível, às vezes mais sofisticada, de mais bom gosto, um resguardo contra a vulgaridade, contra o mau gosto diário."

Ah, Lísias, essa sua forma tão poética e, ao mesmo tempo certeira, de definir algo que me encanta na literatura foi deliciosa!
Porque é preciso literatura para fugir da vulgaridade; porque é necessário ter a literatura justamente como o mundo do possível, daquilo que nos liberta do cotidiano idiotizante e que transforma muitos dos nossos sonhos impossíveis de supérfluos para vitais.
(e possível sofisticado foi ótimo! Nunca mais vou esquecer isso! ;) 


"Sempre que estou escrevendo um livro, sempre que ele já está planejado, eu acordo de manhã e faço toda a parte da obra que tenho planejada para aquele dia. E só começo as atividades diárias quando consigo encerrar aquela parte. Escrevo todo dia, pela manhã. Escrevo a mão e a lápis. Tenho, evidentemente, computador. Escrevo em folha de papel almaço. Quando encerro, uma das tarefas diárias é digitar; a primeira parte da revisão já é feita quando passo da folha de almaço para o computador. É muito lento".


Quem não gosta de saber como se desenvolve o processo criativo e quais são as manias de um escritor? 
Eu adoro!
Outra coisa que eu gosto muito é papel almaço. Obrigada, Lísias, por trazer de volta para mim o amor pelo papel almaço (comprei uma pilha! ;).


"Amanheceu um belo dia. São típicos dessas cidades horrorosas que não tem nada para oferecer além do clima ameno, o céu azul e uma brisa agradável. Um horror. Lembro-me muito bem desses dias quando fazia faculdade aqui: logo tudo evoluía para um frio enorme".


Ah, como eu me deliciei com a ironia e o humor de Lísias em O céu dos suicidas! A escrita deste livro te leva a uma experiência interessante: é rápida, intensa e muito forte. Além disso é permeada de momentos de muito humor, ironias e situações extremamente absurdas e perfeitamente "reais".


"O principal risco de um livro como O céu dos suicidas é acharem que o personagem é realmente você. Por exemplo, minha mãe acha que todo esse negócio aconteceu de fato, mesmo as passagens em que ela entra e que eu falo para ela: “mas você fez isso?”. “Você não fez isso, isso não aconteceu.” Ela já acha que aconteceu. Então, tem um problema inerente à leitura, de as pessoas fazerem uma leitura mais imediata. Porque uma coisa é fato: se eu escrever e contar o que aconteceu hoje, não é mais o que aconteceu hoje. Tem a mediação da linguagem que modificou tudo"

Dá para imaginar o tipo de pergunta que o Lísias deve ouvir repetidamente??? (Ainda mais depois de Divórcio! rs). Por uma leitura menos realista e imediatista, por favor! O trecho abaixo é o melhor:

"O bom leitor é aquele que consegue trazer o texto para os interesses dele mesmo".
"Quando as pessoas leem literatura, elas precisam esquecer um pouco o autor e colocar elas mesmas como importantes".

É isso! (sem mais palavras minhas, pois o Lísias disse tudo nessas duas frases acima. ;)


Outra do Lísias quando perguntado sobre o que é fundamental para a escrita: 
"Concentração e técnica — pelo menos pra mim. Concentração, técnica, nenhuma concessão, radicalismo com a forma, nenhuma concessão com o público, nem com o glamour, nem com o meio literário".

Esta parte eu marquei, pois também estou em um momento no qual percebo a importância de não fazer nenhuma concessão. O importante é escrever para você mesmo; escrever o que você quer dizer, soltar a sua voz, suas inquietações e interesses. Fazer concessões deforma, distrai e, invariavelmente, transtorna o resultado.

"Uma literatura vulgar se caracteriza pela preocupação excessiva com o próprio umbigo, por exemplo, a falta de preocupação com o outro, uma facilidade no discurso, uma facilidade formal muito grande, a tentativa de barateamento da linguagem, a tentativa de barateamento ideológico, a falta de resistência aos discursos dominantes, a covardia de enfrentar discursos realmente fortes, a entrega ao discurso oficial".

E esta frase para fechar o post: está boa para vocês? Porque para mim está ótima! Concordo com o Lísias em gênero, número e grau nesta questão do que é vulgarizar a literatura.
Eu não quero facilidades; eu não quero senso comum: eu quero boa literatura! O resto pode deixar comigo que eu penso.


Referências:
Lísias, Ricardo. O céu dos Suicidas. Alfaguara, 2012.
Lísias, Ricardo. Rascunho. Disponível em: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/ricardo-lisias/
Fonte das Imagens: arlequinal.com.br e revistalingua.uol.com.br.

9 comentários:

  1. Oi, Denise,

    Pelo que vi você é fã do Ricardo Lísias, né? :) Como nunca li nada dele, gostaria de uma recomendação: por qual devo começar? Tenho lido muita coisa sobre o livro "Divórcio", seria ele um bom começo para quem nunca leu nada do escritor?

    grande abraço,

    Pipa

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    1. Oi Pipa, sou muito fã sim! ;)
      Olha, não recomendo começar pelo Divórcio, mas sim pelo Clube dos Suicidas ou pelo O Livro dos mandarins!
      Acho que aproveita melhor Divórcio quem já conhece um pouco a escrita dele, entende?
      Um beijão!

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  2. Obrigada pela dica, Denise!
    Vou procurar então O céu dos suicidas :)
    beijos!

    Pipa

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  3. Denise, você fez eu me apaixonar pelo Ricardo Lísias! Já estou buscando os livros dele. A forma como você nos aproximou do autor foi deliciosa... Concordo com você e com Lísias sobre a Literatura Vulgarizada. Não quero facilidades!!! Quero Alta Literatura!!! Amei...

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    1. Não é? ;)
      Espero que você goste dos livros dele, lua!
      Beijos!

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  4. Que legal Denise, muito bacana mesmo, estou namorando os livros do Ricardo Lísias faz algum tempo, quero muito ler este, ainda mais depois deste post :).
    Parabéns pelo blog!
    Ah, queria saber o que está achando do Mar Azul da Paloma Vidal, quando puder comente sobre por favor hehehe.
    Beijos.

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    1. Bruno, eu gostei MUITO de mar Azul! Vou fazer resenha ainda, mas já falei dele no último vídeo lá no YT.
      Obrigada e depois me conta se gostou do Lísias! ;)

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  5. Dê!
    Tudo bem com você?
    Estou morrendo de vontade de ler esse livro, ainda mais agora, depois de ler esse seu post. :)
    Beijos!

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    1. Ele é ótimo, Neriana! E Divórcio também. Ou seja: leia o Lísias que vale a pena, rs.
      Beijos!

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